Encontrei a paz nos olhos de uma criança. Não pude deixar de
notar. Era ofuscante a energia que transmitia enquanto me fitava. Nos
desencontros e correrias do meu cotidiano encontrei-a, e não pude sair dalí
antes de contemplá-la.
Nos primeiros minutos eu nem si quer lembrei-me do terno
caro que vestia devido à reunião, não me importei com a pasta cheia de
documentos que carregava com cuidado, simplesmente me acomodei na areia do
parque e não deixei de olhar aquela criança.
Teus pés descalços afundavam na areia enquanto corria entre
as outras crianças. Aos poucos fui aprofundando na imagem que via e notei que
as outras crianças olhavam-na diferente, mas aquela doce criança, em sua total
inocência, nem percebia.
Ela ia perceber. Conforme passasse o tempo, conforme o mundo
lhe roubasse a inocência. Quão cruel, pobre criança. Tuas vestes curtas e
gastas condenavam sua posição social, talvez fosse ela uma daquelas que não
encontra o carinho em casa, mas sim num parque com outras crianças que tem de tudo,
mas que falta a simplicidade, como a que ela possuía.
Teus olhos brilhavam e sua cor negra trazia destaque. Imaginei
então quanto tempo levaria para que esta criança fosse arrumar trabalho pra
ajudar em casa, ou perdesse seu pai para as drogas, ou se visse lutando pra conquistar
uma vida digna e se visse sendo barrado em muitas injustiças que enfrentaria
devido a sua cor. E depois de tanta luta, se encontraria escravo de uma
sociedade hipócrita.
Fechei os olhos enquanto lagrimas corriam pelo meu rosto.
Foi quando senti um toque leve secando minha face. Era as mãos pequenas daquela
criança que me acolhia com um sorriso mágico. Na verdade aquela criança nada
mais era que meu reflexo, a minha história, quando eu não mais me reconhecia.